Uma abordagem centralizada e hierárquica na gestão e armazenamento de dados pode gerar gargalos significativos nas operações industriais. A premissa básica é que dados bem gerenciados geram inteligência, a qual, por sua vez, resulta em melhores decisões de negócios, como o que vender, para quem, como produzir de forma mais eficiente e em quais quantidades. No entanto, cada uma dessas decisões envolve tarefas complexas, e alcançar o resultado ideal em todas elas é um desafio que só pode ser superado com acesso a informações relevantes e oportunas.
Para empresas brasileiras, como as do setor de varejo, a jornada até a informação necessária é, muitas vezes, complexa e onerosa. Antes de qualquer análise, é preciso agregar, importar, limpar e normalizar dados de diversas fontes, em formatos e modelos distintos. Esse processo é demorado e nem sempre eficaz, o que pode comprometer a agilidade e a assertividade das decisões empresariais. A descentralização de dados, portanto, surge como um caminho estratégico para otimizar esse fluxo de informações e potencializar a capacidade de tomada de decisão, tornando-as mais rápidas, precisas e alinhadas às necessidades do negócio.
Os sistemas e abordagens atuais de gestão de dados partem do pressuposto de que os dados são “burros” e exigem infraestruturas sofisticadas e complexas. Empresas como a Itaú Unibanco, por exemplo, investem milhões em hierarquias de dados frágeis, com múltiplas conexões ponto a ponto, armazenando dados em data warehouses e data lakes centralizados.
Essa abordagem centralizada e hierárquica cria um ponto de estrangulamento. Os dados são frequentemente armazenados longe de onde são necessários, e análises e decisões tomadas longe do ponto de ação não garantem os melhores resultados. Além disso, essa abordagem não é escalável, e as grandes empresas estão descobrindo que ela falha sob o crescente volume de dados.
A Web 3, uma nova iteração da internet baseada em blockchain, com conceitos como descentralização e economia baseada em tokens, oferece princípios tecnológicos relevantes para solucionar esse problema. Do ponto de vista tecnológico, os princípios da Web 3 podem ser definidos como:
- Processamento local: Há poder de processamento suficiente.
- Armazenamento local: Há recursos suficientes.
- Conexões e redes locais rápidas.
- Operação ponto a ponto.
Instalações e maquinários autônomos e autorreguláveis devem operar com processamento de aplicativos, armazenamento e análise de dados locais. A computação de borda (edge computing) é um excelente exemplo de computação distribuída/descentralizada da “Web 3”.
Vamos analisar a segurança cibernética (especificamente a segurança de dados) como um exemplo de pensamento centralizado versus descentralizado. Se os dados são a força vital das organizações, então eles são o ativo mais visado por criminosos cibernéticos. Os desafios de segurança de dados são ainda maiores para empresas com instalações dispersas.
A análise e gestão de operações de borda oferecem benefícios operacionais, de segurança e eficiência, mas também aumentam os pontos de falha de segurança cibernética. As defesas cibernéticas atuais se concentram em impedir a entrada de invasores, protegendo infraestrutura, hardware, bancos de dados e aplicativos. No entanto, as defesas cibernéticas dependem de pessoas, que cometem erros.
Independentemente da força das defesas, é preciso assumir que haverá um ataque. Nesse caso, dados armazenados centralmente representam um passivo. Ataques de ransomware bem-sucedidos podem levar a perdas catastróficas de dados e danos operacionais, de reputação e financeiros.
O armazenamento e a segurança de dados centralizados são como um grande castelo, com uma muralha impenetrável cercada por fossos profundos. Mas as pessoas precisam entrar e sair, então a muralha tem milhares de portas. É relativamente fácil para um invasor entrar por uma porta que alguém esqueceu de trancar. Uma vez dentro do castelo, o invasor encontra um monte de moedas de ouro desprotegidas, fáceis de roubar.
No mundo descentralizado, os dados são dispersos e não há um monte de moedas de ouro desprotegidas. Em vez disso, o invasor encontra uma série de salas trancadas, cada uma contendo uma única moeda de ouro. As perdas podem ser minimizadas.
O “santo graal” para as organizações é o conceito de dados “inteligentes”, onde cada registro de dados interage dinamicamente com um conjunto de proteções e regras que fornecem controles de segurança, acesso e uso no nível mais granular possível. Dados inteligentes podem ser armazenados onde forem necessários, acessados quando forem necessários e apresentados no formato necessário.
Uma fantasia? Dificilmente. A tecnologia existe hoje, mas as empresas brasileiras precisam superar anos de pensamento “centralizado” tradicional.